Ah a imortalidade, uma luxúria, uma tristeza, uma lástima,
um drible na morte. Se você vence a morte, existe algo mais pelo que lutar? Se
viver é só mais um artifício. Nessa segunda parte do arco de Ashildr (Maisie
Williams) vemos mais uma sequência de qualidade nos episódios dessa temporada,
que vem se mostrando não somente com um enorme potencial, mas de fato marcando
presença em cada capítulo, esculpindo um Doutor mais reflexivo, e
questionamentos tão profundos quanto o espaço sideral.
Assinado pela escritora inglesa Catherine Tregenna, que já
assinou episódios para o spin-off Torchwood, bebe diretamente da fonte de
textos dramatúrgicos tragicômicos dos palcos ingleses, nos entregando um
episódio intrigante. Onde vemos Ashildr, agora imortal tendo vivido 800 anos,
encontrando tristeza pelos cantos, e por mais que tentasse ajudar a humanidade
da maneira que podia, não parecia suficiente, e que por vezes até taxada de
bruxa. A escritora em nenhum momento ignora os fatos do episódio anterior,
escrito por Steven Moffat em parceria com Jamie Mathieson. Ele dá continuidade
ao dilema dos problemas da imortalidade.
O roteiro foi sábio ao usar o recurso do flashback. E a
direção de Ed Bazalgette mais inteligente ainda por mantê-los coloridos, usando
uma palheta de cores mais austera para narrar os fatos que aconteceram a
Ashirld – que agora atende pela alcunha de ‘Eu’. O roteiro consegue trazer um
interessante paralelo de vida e morte ao usar da mitologia grega, travestida de
ficção científica ao inserir pontualmente a jóia conhecida como o “Olho de
Hades”.
Um dos pontos ousados foi a ausência da companion Clara no
capítulo, pois sem a presença de Clara o roteiro de Catherine se permitiu
explorar várias perguntas, tanto metafísicamente, sobre a vida e sua duração,
como sobre a solidão e importância de se compartilhar momentos. O mais curioso
é como a trama envolvendo a relação do Doutor e Ashirld se desenvolve, apesar
de ser segundo plano. Porém a psiquê é o verdadeiro personagem, quando o Doctor
começa a se enxergar na imortal Ashirld. É nessa dinâmica, que o texto de
Catherine Tregenna cria uma atmosfera quase claustrofóbica, sentimo-nos tão
presos quanto a própria vinking e aos poucos compreendemos não só o lado do
Doutor quanto o dela própria.
No fim das contas, a roteirista resgata a ideia por trás da
figura do Time Lord e o porquê dele viajar com humanos, cujas vidas são tão curtas
em comparação a sua própria. O amor do Doutor pela vida é colocado mais uma vez
a prova e sabiamente Catherine insere Clara nos momentos finais apenas, como um
suspiro de alívio para o espectador, que, enfim, enxerga o perigo se colocar
dois imortais lado a lado. Pois o ser humano é necessário e somente assim a
humanidade do Doutor pode (e deve) ser mantida, do contrário, corre-se risco de
se tornar o que a mulher que sobreviveu se tornara. “Aquela que irá cuidar
daqueles que Doutor deixar para trás. ”
Outro ponto vai para o ator Ariyon Bakare, que deu vida ao homem-Leão
Leandro, também merece destaque. Apesar da maquiagem carregada, ele consegue
empossar um personagem imponente e implacável com sua postura e tom de voz. Aos
fãs de tokusatsu que assistem Doctor Who, impossível não lembrar do Henshin
Hero Lion Man, exibido em terras brasileiras nos anos 70.
As referências e metalinguagem ao universo da série se
mantêm presentes, como a citação ao Capitão Jack ou às mais sutis, como quando
o Doutor informa Ashildr sobre o Grande Incêndio de Londres, que estava preste
a acontecer. Fato provocado por sua quinta encarnação na série clássica.
Então se encerra mais um capítulo da nona temporada de
Doctor Who, que segue gloriosa. Sem decair a qualidade nem um milímetro.
Deixamos pra trás uma personagem que certamente gostaríamos de rever. Capaldi e
Williams ofereceram um verdadeiro show, com uma química que convence, exaltando
o talento de ambos os atores. Um arco acima de tudo intimista que soube
exatamente onde pisar e se manter na linha.
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