Sorria para mim, vá em frente, Clara Oswald. Sorria para
mim uma última vez” – 12º Doctor
Chegamos ao final de uma temporada esplendorosa que nos foi
entregue, revelações contundentes sobre os acontecimentos de The Day of The
Doctor culminaram nas inúmeras questões que cercavam a mente dos Whovians.
Simplicidade é um termo sútil para dizer o quão os roteiristas dessa série
sabem nos emocionar e guardar o melhor para o final. Não somente isso, tornar
toda uma aventura continuar girando e seguir em frente. Creio que esse seja uma
das grandes sacadas do porquê Doctor Who permanece até os dias atuais.
O arco final da nona temporada possui uma linha tênue de
construção, direção, diálogos e acontecimentos, que por consequências
desembocam em ações. E são essas qualidades que torna esse um dos melhores
finais já vistos na Era Moderna. Steven Moffat revisita o script trazendo um
personagem, um cenário e um vilão. Simples não? Super intimista, quando o
Doutor se encontra sozinho.
Heaven Sent levanta um clima de perseguição, e a direção de
Rachel Talalay, que já trabalhou nos capítulos Dark Warter/Death In Heaven
colabora para o sucesso desse momento particular de um Time Lord e suas
dualidades. Ela coloca a câmera na posição de perseguidora e perseguida. Sob o
olhar da câmera, cada corredor vira uma perseguição infinita, um medo sem fim.
Uma verdadeira aula de direção.
A chance de se utilizar de elementos visuais aqui fica
nítida e bem aplicada. Vale o destaque para a TARDIS que se torna uma metáfora
visual para o estado mental do Doutor e Talalay consegue transmitir milhares de
pensamentos com apenas uma imagem. A diretora se provou saber trabalhar um
épico numa escala mínima. (Espero revê-la em futuros capítulos).
Ao invés de finalizar com um esgotamento dramático, Heaven
Sent incorpora os principais temas da temporada. Peter Capaldi apresentou um
dos seus melhores momentos vivendo o 12º Doutor, atuação essa digna de prêmios.
A equipe de produção está de parabéns pela formulação desse episódio-monólogo
bem elaborado. E a trilha sonora de Murray Gold finaliza como o retoque final, insubstituível.
E de uma solidão intimista, daquilo que deveria ser o ‘pré-paraíso
dos Time Lords”, o Doutor passa, ardendo de raiva, para o “inferno dos Time
Lords”, a Matrix, após sua chegada em Gallifrey. Um presente aos amantes do
audiovisual, pelo vislumbre de como essa season finale soube ser absolutamente
fantástica.
Toda uma a qualidade no desenvolvimento do roteiro e das
inúmeras referências e metalinguagem com a própria série, além de em um segundo
plano o roteiro trazer questionamentos metafísico e posicionamentos políticos.
Em detrimento da pessoa que o fez se curar, reconhecer o quão poderoso e
corajoso é. O Doutor abandona todos os seus códigos e regras, que ele mesmo
criou. Mas apenas 5 minutos antes do Universo ser consumido pela ordem natural
das coisas, faz ele se dar conta de que havia longe demais. E a ira, o amor e a
obstinação dão lugar à rendição e à constatação de que ele seria, de verdade (e
juntamente com Clara, como Ashildr/Me havia teorizado) o híbrido, o destruidor.
Todo o gancho sobre o híbrido, que aterrorizava o alto
conselho de Gallifrey foi apenas uma manobra do Doutor para o mesmo poder
salvar Clara de sua eminente morte, mostrada em Face The Raven. E assim de
forma inesperada Clara volta a narrativa, congelada entre seu penúltimo e último
batimento cardíaco.
“Memórias se tornam histórias quando nós esquecemos elas,
talvez algumas delas se tornem letras de música” – Oswald
Clara
A eminencia do Doutor em salva-lá não é nem de longe
exacerbada. Desde que foi introduzida na série, em Asylum of the Daleks, a
Garota Impossível teve importantes e significativos papéis. Não só ao salvar o
Doutor em The Name of the Doctor, como parte de Clara a iniciativa de
questionar o Doutor em The Day of the Doctor para salvar Gallifrey.
Amy e Rory são citados com maestria, e o cenário utilizado
pelos personagens junto ao anterior 11º Doutor. Pois foi Clara que o trouxe
conforto a este Doutor que perdeu seus dois amigos em The Angels Take
Manhattan; à pessoa que fez com que ele perseguisse um mistério de identidade e acabasse descobrindo
que ela havia se sacrificado e se multiplicado por ele, para salvá-lo; à pessoa
que protagonizou seu diálogo com os Time Lords e esteve lá quando suas
regenerações esgotadas não eram mais um problema; à pessoa que lutou contra a
estranheza da mudança e tentou aceita-lo em seu novo corpo; à pessoa que, mesmo que comum passou por um tremendo conflito moral, o acompanhou e acabou se tornando com ele,
formando um híbrido de humana e Time Lord (em uma das interpretações do termo)
ou permitindo que ele agisse como um híbrido, em resumo, aquele que “traz a
destruição”.
Remodelar a morte de Clara (que sim, agora é uma espécie de
zumbi e sim, vai voltar para o Corvo um dia, mas pelo visto ainda vai viajar
muito ao lado de Ashildr/Me, quase como uma extensão do papel do Doutor que ele
sabia interpretar tão bem…Clara Who?!)
Temos a presença do celeiro, lugar onde marcou a infância
do Doutor, como vimos em Listen. Durante a Time War, o War Doctor se utilizou
do celeiro como local de preparação para a execução de Gallifrey através da
arma Moment, como visto em The Day of the Doctor. Em Hell Bent, logo após se
libertar da prisão que Rassilon o colocou (seu próprio Disco de Confissão), o
Doutor ruma direto para o celeiro.
Mas não há como negar que o destaque do episódio são as
atuações de Peter Capaldi, Jenna Coleman, Maisie Willians e a participação mais
que especial de Donal Sumpter como Rassilon, que já participou de Doctor Who em
1968 no arco The Wheel in Space e posteriormente em 1972 no arco The Sea
Deavils. Maisie Willians se mostra uma atriz muito madura para sua idade,
conseguindo passar as diferenças psicológicas que sua personagem sofre ao longo
dos séculos em olhares e trejeitos mínimos, mas soando totalmente diferente em
suas várias aparições pela temporada.
Peter Capaldi e Jenna Coleman mostram todas suas raízes
dramáticas teatrais no momento final em uma interessante referência ao 10°
Doutor e Donna, só que as avessas, sendo desta vez o Doutor o afetado e
perdendo sua memória sobre a existência de Clara. Vale a lembrança de dois
pontos: um deles é a Tardis onde Clara e Ashildr/Me estão viajando,
referenciando a série clássica em sua forma mais genuína. E o segundo ponto
vemos a Clara Who revertendo a polaridade do fluxo de nêutrons como o 3º
Doutor.
No mais fica minha salva de palmas a esse arco finalizador
bem elaborado, não poderia pedir por algo melhor. Referenciando o Velho Oeste
Clássico, não teve como não lembrar de filmes como “Por um Punhado de Dólares a Mais”
e mesmo de “Matar ou Morrer”. Ao longo do capítulo fica evidente a relação
entre as classes sociais em Gallifrey, a conturbada relação do Doutor com os
Time Lords e a sempre perturbadora ação dos mesmos em relação a quase tudo ao
seu redor recebendo imenso tratamento dramático, fazendo desse final uma
excelente homenagem televisiva ao homem solitário que eventualmente possui um
companheiro ou uma companheira ao longo do caminho, mas que por diversos
motivos sempre acaba sozinho, tentando salvar alguma coisa que ele não sabe
exatamente o quê e, ao menos a curto prazo, para quê. Exatamente como os
pistoleiros do Velho Oeste, só que ao final, ao invés de cavalos perdidos a um pôr
do sol silencioso, temos duas TARDISes cruzando o espaço e tempo. Um final
digníssimo para uma temporada primorosa que foi esta.
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