E se você descobrisse que a morte é uma habilidade? Um dom
mesmo, como bem ensina o texto bíblico. Talvez um dos grandes dons que a
humanidade possui. E algo que é cruelmente negado a um Senhor do Tempo. Ser
imortal não é viver para sempre, mas assistir todos a sua volta morrerem. O
tema morte mais uma vez bate na porta dessa nona temporada, garantindo que
tenhamos uma reflexão mais precisa sobre o termo.
Escrito pelo showrunner Steven Moffat em parceria com Jamie
Mathieson, veterano no seriado, além de responsável pelos excelentes episódios
Mummy on the Orient Express e Flatine; temos um episódio que estruturalmente é
similar a episódios como Robot of Sherwood. E nos traz também nuâncias ao conto
do universo expandido em A Lança do Destino, de Marcos Sedwing.
Em The Girl Who Died observamos claramente como o Doutor
encara a morte. Uma habilidade. A única que ele não possui, e que, ao que tudo
indica, é algo que ele irá perseguir incessantemente até conseguir dominar. E
essa busca logo deve se relacionar de algum modo ao disco de testamento
mostrado no primeiro episódio, se inicia a partir desse capítulo da longa vida
do Senhor do Tempo, que já viveu tantas vidas e já perdeu tempo, com a morte de
uma garota viking chamada Ashildr, vivida por Maisie Williams (Game Of Thrones).
Muita expectativa foi gerada em torno da participação de
Maisie Williams nessa temporada de Dr. Who. Afinal, teríamos a participação de
uma célebre – e talvez a única com cérebro de verdade – Stark e Westeros. As
especulações davam conta que ela poderia ser alguém ligada ao passado do Doutor
ou mesmo do Mestre. Quando a temporada se iniciou revisitando as origens do
Senhor do Tempo, seus antigos inimigos, e sua fuga de Gallifrey, essas
especulações ganhavam mais força. Mas nenhuma delas se concretiza nesse episódio.
A situação dramática da “invasão extraterrestre” é
amplamente usada no universo Who, o que, em certos momentos da narrativa, nos
traz sensações de dejá vu. Percebam que o problema inicial apresentado, a
Invasão dos Mire, é facilmente solucionado. O que torna o roteiro de Moffat e
Mathieson interessante é como elementos da cultura viking são usados para
solucionar o caso.
Contudo, não deixa de ser um episódio que retorna ao
passado do Doutor. Questões sobre a fuga de Gallifrey são mais uma vez trazidas
à tona e finalmente a referência à primeira participação de Capaldi na série é
explicada. Na verdade, trata-se de um dos grandes momentos do episódio. Quando
o 12º Doutor surgiu pela primeira vez na temporada passada, ainda um tanto
quanto desnorteado, ele se perguntava acerca do porquê de ter escolhido aquele
rosto, um rosto familiar. Com mais um daqueles momentos referenciando Doutores
anteriores vemos David Tennant, O Décimo Doutor, por um breve minuto dialogando
com Donna sua companion sobre salvar uma vida. A princípio parecia ser apenas
algum tipo de piada interna, uma referência ao fato de Capaldi ter interpretado
um coadjuvante no episódio The Fires of Pompeii. Mas parece que Moffat tinha de
fato algo planejado desde antes, que apenas agora veremos se desvelar.
Como já havia citado nas reviews anteriores sobre a
maturidade do relacionamento de Clara com o 12º Doutor tem estado cada vez mais
orgânica e fluida. Portanto o roteiro deste episódio não perde a chance de dar
pinceladas de como a relação entre Clara e o Doutor está mais madura e
profunda. Em vários momentos, vemos o Doutor dizer o quanto Clara é importante
para ele. De fato, gostando ou não, Clara tem um peso dramático muito
importante dentro da série, não só por ser A Garota Impossível, mas é através
dela que o roteiro a usa para lembrar ao Doutor o por que ele escolheu aquele
rosto, e em uma excelente montagem da direção de Bazalgette, temos referências
a Fires of Pompeii e o Doutor se redescobrindo como herói.
Porém, Moffat e Mathieson não nos deixam esquecer que toda
ação gera uma reação e, ao salvar Ashilrd, somos novamente apresentados a
estrutura de seres híbridos, como em The Witch´s Familiar. Seria esta a ligação
para o que poderá acontecer à Clara? Seria uma referência direta ao encontro
com Davros no primeiro episódio dessa temporada e à profecia citada por ele
envolvendo o já ameaçador “híbrido”? Se a personagem de Maisie Williams, a
corajosa garota viking Ashildr, virá a ser a temível criatura da profecia
citada por Davros, isso ainda está para ser visto. Mas sem dúvida alguma é uma
personagem que tem grande potencial que poderia retornar em outros momentos,
talvez até como um novo antagonista, eternamente atormentado pelo agridoce
presente que o Doutor lhe concede ao fim do episódio.
Vale lembrar sobre os momentos poéticos, quando, por
exemplo o Doutor fala mais uma vez a língua dos bebês. Peter Capaldi, claro,
mais uma vez arrebentando na intepretação fazendo de todo o resto do elenco
quase que um penduricalho a lhe acompanhar. Além do que, Maisie Williams não
está mal. Ela tem também bons momentos e bons diálogos com o Doutor.
Mais uma vez temos um episódio em duas partes, e essa
parece ter sido uma ótima ideia dos produtores nessa temporada. Episódios em
duas partes ajudam a quebrar a estrutura de “monstros da semana”, e dão espaço
para se aprofundar melhor em personagens e a desenvolver melhor boas tramas. Esse
episódio, assim, na verdade parece funcionar mais como uma preparação para a
sua segunda parte – “The Woman Who Lived” – que promete ser melhor do que a
primeira parte em densidade e relevância.
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