Como fazer um mix entre a ficção-científica e temas
polêmicos da sociedade? Em uma trama distinta das anteriores, Harnes, o
roteirista encarregado desse arco é conhecido pela polêmica em seus episódios.
Já estamos familiarizados com Kill the Moon na oitava temporada, onde ele se
utilizou do sci-fi para dialogar sobre o aborto.
Bem duas coisas precisam ficar claras, a primeira delas é
que para entender este capítulo é necessário ter assistido Death in Heaven e
The Day of The Doctor, obrigatoriamente, se realmente quiser entender o que
está ocorrendo. Segundo, The Zygon Invasion discute sobre a atual crise da
imigração, terrorismo e paralelamente sobre identidade de gênero e
reconhecimento enquanto indivíduo.
Temos aqui nosso caso UNIT da temporada, como não poderia
faltar, quando após os acontecimentos em Day of The Doctor, os humanos são
representados pela mesma. Com um devido tratado de paz formado com os Zygons.
Seres metamorfos que tiveram seu planeta natal destruído pela guerra do tempo,
portanto permaneceram sem pátria, com isso refugiaram-se na Terra.
Agora entra o nome Operação Duplo, uma operação secreta,
fora das ações normais da UNIT, para reassentar e realojar uma raça alienígena
sem segredo no Planeta Terra. O tratado de paz impõe que 20 milhões de Zygons
possam assumir a forma humana e viver pacificamente entre nós. No entanto, isso
leva os metamorfos a renegarem algumas de suas características naturais.
Quando temos a presença da UNIT em Doctor Who, espere um
episódio voltado para política, diplomacia e acima de tudo, uma crítica social,
o que é o caso. O fato de um grupo separatista de Zygons ter sido formado e
sequestrado Osgood é uma clara indicação de infração a um acordo de paz.
Pode-se observar como o roteiro é desenvolvido em camadas, acompanhado pela
direção do australiano Daniel Nettheim, que foi capaz de nos imergir neste universo
diplomático. Através de câmeras de vigilância, a linguagem em vídeo amador,
onde há pouca iluminação, sem mencionar a logo própria criada pelo grupo
extremista.
O tipo de direção deixa perceptível como o diretor se
baseou nos vídeos dos jornalistas ingleses, reféns de grupos extremistas
islâmicos. O que traz uma tonalidade bem realista nesse arco da série.
Explorando da tensão nos diálogos, e cenas misteriosas, onde a câmera possui um
corte preciso, criando um clima de paranoia.
Falando em paranoia, ao optar pelo uso na câmera na mão na
cena, onde soldados da UNIT cercam uma igreja, quando acontece um dos diálogos
mais tocantes do episódio, por mais que imaginemos como essa cena irá terminar,
a mesma não deixa de transmitir a verdadeira sensação de estar numa guerra. O
enredo se expande quando os personagens se dividem em pequenos grupos, quando
três focos narrativos são formados em três locais distintos. Kate, na cidade do
Novo México, no EUA. Clara e uma certa parte da UNIT em Londres e o Doutor no
Turcomenistão, país que faz fronteira com o Afeganistão e Cazaquistão.
Torna-se acentuado o tema terrorismo, que ao mesmo tempo
acentua seres imigrantes no nosso planeta, escondendo um discurso sobre
aceitação de identidade. Esse discurso está presente não só na justificativa
dos Zygons extremistas, que chegam a matar até os da sua própria raça que vão
contra as suas ideologias, como também está presente na conversa entre Osgood e
o Doutor.
Quanto ao trabalho sonoro, Murray Gold não deixa de nos
surpreender, com sonoridades nas cenas mais suspeitas, onde se indaga a todo
momento se a pessoa ao seu lado é humana ou um Zygon infiltrado. No quisito
atuação Ingrid Oliver, que vive Osgood, traz consigo nuances de uma pacifista
quando ela mesma explica ao Doutor que é ofensivo perguntar se ela é Humana ou
um Zygon, e que não há mal nenhum nela se sentir como os dois seres. Isso
levanta novamente a questão de seres híbridos, na qual permeia essa nona
temporada.
Aos whovians que já acompanharam a série clássica ficou
evidente a metalinguagem que enriqueceu esse episódio fortemente. Sendo com
William Hartwell (o primeiro Doutor) aparecendo em um quadro como easter egg.
Ou mesmo o capítulo como um todo referenciar Terror of Zygons da série clássica
com Tom Baker (quarto doutor). Além de pequenas referências aos audiodramas,
sendo a Casa Segura da UNIT uma possível referência a casa do próprio Doutor
mencionada nos áudios produzidos pela Big Finish.
No fim das contas, The Zygon Invasion é mais um excelente
episódio da nona temporada seguindo a boa sequência de qualidade que a temporada
vem nos proporcionando. Com um DNA educacional, mas que não engana ao
demonstrar que cresceu em detrimento a tratar de temas contemporâneos de modo
preciso, e sem exageros.
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