domingo, 8 de fevereiro de 2015

Crítica: O Grande Hotel Budapeste


A produção tem início na fictícia República de Zubrowka, na Europa da década de 30, e narra as aventuras do concierge Gustave H. (Ralph Fiennes) e de Zero Moustafa (Tony Revolori, jovem, e F. Murray Abraham, adulto), mensageiro que se torna seu inseparável amigo. Os dois trabalham no hotel que dá título ao filme numa região alpina do Leste Europeu. Excêntrico, amante de poesia, perfumes e senhoras mais velhas, o gerente se vê vítima de uma conspiração quando sua adorada Madame D (Tilda Swinton, envelhecida com maquiagem) é encontrada morta.
A trama fica ainda mais interessante com a “introdução” feita pelo Autor australiano Stefan Zweig que aparece no filme. De fato, Zweig sempre foi inspirado por histórias reais que ele ouviu de outras pessoas e, especialmente, pelas próprias vivências, paisagens e pessoas que ele encontrou pelos diferentes lugares por onde esteve. Quem vive da arte, seja ela escrita, filmada ou cheia de acordes, sabe o quanto a inspiração surge após grande observação, muita audição, sensibilidade nos tratos e trabalho duro. Com Zweig, como com tantos outros, foi assim.
As repetições nos diálogos constituem o estilo narrativo do diretor, que poderia parecer incoerente e quem sabe inconstante, entretanto, é na repetição que está uma das partes mais deliciosas do roteiro, pois é nesse instante que lhe confere a risada perante a cena. O design de produção, a direção de fotografia, a direção de arte e os efeitos visuais são dignos de aplausos. Mais ainda se considerar os doces servidos por Agatha (Saoirse Ronan), quando em diversos momentos está presente no filme exalando sua beleza de mais glacê e pouco recheio.
O contexto de invasão militar vai aparecendo aos poucos no filme, até que ele se consolida com a “ocupação” dos homens que lembram os nazistas no hotel. Mas antes e depois deste ponto, em duas sequências no trem, a mensagem de indignação de Zweig ficam muito evidentes.
Quem olha apenas para a cobertura cheia de glacê de The Grand Budapest Hotel vê somente o apuro visual e as interpretações inspiradas do elenco, com destaque para a dobradinha da dupla Ralph Fiennes (como o concierge original do hotel, o Monsier Gustave) e Tony Revolori (como o mensageiro, o “lobby boy”, Zero). E na dupla de vilões Dmitri (Adrien Brody), herdeiro de Madame D. que não aceita repartir nada da riqueza da mulher com M. Gustave; e também na crueldade do capataz de Dmitri, o impassível Jopling (Willem Dafoe em um grande trabalho).

A salada mista é valorizada por um ótimo elenco, mas só ganha interesse real quando fazemos um paralelo de tudo que vimos com a história de Zweig. A película certamente, é ainda mais bonita quando lembrada, seja por seu espetáculo visual ou mesmo por suas ambientações sórdidas cheias de perseguições.
A homenagem nos créditos finais faz a produção ter um outro sabor, escondido por baixo de tanto glacê. Apesar de divertido em muitos momentos, romântico em alguns lampejos e veloz durante os momentos de ação, The Grand Budapest Hotel é um filme sobre princípios e sobre a poesia que resiste em momentos em que a realidade toda parece dominada pela crueldade. Digno.

O longa que cativa pela proposta, mais do que pelo resultado final. Está com o dedo do originalista Wes Anderson. Incrível como seu cinema é expressivo e repleto de uma visão artística incomensurável, capaz de nos mergulhar sob sua narrativa tão intensamente, que vezes nos faz sentir dentro da própria película.

Nota: 10



Nota de pé da página: De vários aspectos técnicos pelo qual o filme se destaca eu particularmente fiquei ainda mais vislumbrado com a representação do autor na própria história. Pois na minha visão Zweig está representado em três personagens: no Autor, em M. Gustave e em Zero. No primeiro, por uma razão evidente: o Autor fala de seu trabalho e é relembrado gerações após gerações. No segundo, por causa da sensibilidade do personagem, um homem que é pacifista e que defende o direito de qualquer pessoa em ter liberdade e ter oportunidades, sendo valorizada conforme se dedica ao trabalho e a melhorar. E no caso de Zero, por ele ser judeu, perseguido, ávido por novidades e por aprender, e por ter uma história bonita de romance com Agatha – a exemplo de Zweig com Lotte. Mas cada um destes personagens pode ter sido apenas inspirado por Zweig, sem a intenção que nenhum deles representasse o autor.
E uma curiosidade sobre a produção: o nome da fictícia república de Zubrowka foi inspirado na vodca polonesa Zubrowka.
Wes Anderson rodou o filme em três formatos diferentes (1.37, 1.85 e 2.35:1) para demarcar ainda melhor e de forma visual os três períodos diferentes em que a história é ambientada: 1985, 1968 e 1930.
De acordo com o site Box Office Mojo, The Grand Budapest Hotel teria faturado pouco menos de US$ 58,8 milhões apenas nos Estados Unidos, e outros US$ 108 milhões nos demais mercados em que o filme estreou até o momento. Mesmo sem informações sobre o custo da produção, nada mal, não é?
Basta observar na própria filmografia de Wes Anderson para ver que este filme lembra diversos outros. Vale conferir clássicos recentes do cinema, como Le Fabuleux Destin d’Amélie Poulain. Mesmo bebendo de várias fontes, é fascinante ver como Anderson utiliza bem a tecnologia moderna e enquadramentos antigos, dos primeiros filmes do cinema, ainda na era preto e branco. Bela homenagem, e com muita propriedade.
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